13/03/2025 às 19h50min - Atualizada em 13/03/2025 às 19h50min
CNJ começa a julgar desembargadora do TJBA por atuação irregular em caso de usucapião em São Desidério


O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) iniciou o julgamento do processo administrativo disciplinar contra a desembargadora Cassinelza Lopes, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA). A desembargadora está afastada do cargo desde novembro de 2023, por determinação do então corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão. O julgamento no CNJ começou nesta terça-feira (11).

O caso havia sido inicialmente julgado no Pleno do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), em julho de 2022. No entanto, foi arquivado por falta de quórum qualificado, pois, do total de desembargadores do tribunal, 19 membros se declararam impedidos e 28 votaram pelo arquivamento. Apenas quatro desembargadores votaram pela abertura do processo. Com o arquivamento no âmbito do TJBA, Cassinelza foi promovida a desembargadora. O caso envolve uma ação de usucapião de uma fazenda na cidade de São Desidério e o Grupo Horita, investigado na Operação Faroeste.

Os agricultores Mario Horita e Walter Horita apresentaram ao cartório de imóveis da comarca de São Desidério um pedido de reconhecimento extrajudicial da área de uma fazenda que utilizavam há mais de 15 anos. A área tem aproximadamente 760 hectares, avaliada em mais de R$ 9 milhões. O Estado da Bahia havia manifestado interesse na causa. O município e a União manifestaram-se favoravelmente ao reconhecimento da usucapião extrajudicial, mas o Estado da Bahia impugnou o pedido, alegando que o imóvel seria de sua titularidade. A objeção do estado inviabilizou o pleito pela via extrajudicial, levando a questão à Justiça, em 2019.

Segundo o CNJ, há indícios de conluio entre a desembargadora, o promotor de Justiça Alex Moura e o advogado Julio César Cavalcanti Ferreira, o primeiro delator da Operação Faroeste. O delator teria recebido R$ 200 mil do grupo Horita para influenciar na escolha da juíza para atuar na Vara Plena de São Desidério.

A então juíza Cassinelza da Costa Santos Lopes foi indicada pelo então presidente do TJBA, desembargador Gesivaldo Britto, que também foi investigado na Operação Faroeste, para auxiliar a Comarca de São Desidério. O corregedor do CNJ apontou que a magistrada atuou de forma irregular no processo, tendo despachado quando já tinha cessado a designação para atuar no oeste.

Segundo o processo administrativo disciplinar, a ação de usucapião foi distribuída no dia 5 de setembro de 2019, às 18h56. Diante da impugnação do Estado, o caso ficou suspenso. Na ocasião, o promotor de Justiça Alex Moura, antes mesmo de ter sido intimado, emitiu um parecer para declarar o usucapião extraordinário em favor dos Horita. Na segunda-feira, dia 9 de setembro de 2019, Cassinelza proferiu uma decisão julgando totalmente procedente o pedido dos autores. No dia seguinte, terça-feira, 10 de setembro de 2019, o promotor, ainda sem intimação, deu ciência da sentença e dispensou o prazo recursal. Naquele mesmo dia, os autores manifestaram ciência da decisão, pedindo o certificado e trânsito em julgado para averbar junto ao Cartório de Registro de Imóveis de São Desidério. A decisão foi publicada no Diário da Justiça no dia 12 de setembro de 2019. No dia 4 de outubro, sem a certidão de trânsito em julgado, o cartório noticiou o cumprimento da sentença. O Estado da Bahia opôs embargos, o que manteve o processo paralisado desde o dia 10 de outubro daquele ano.

O prazo em que todo o processo tramitou chamou a atenção das autoridades. Conforme relatado no CNJ, no dia 9 de setembro, a magistrada já não poderia mais atuar no caso, pois a designação havia sido encerrada no domingo, dia 8 de setembro. Além do mais, a unidade judicial tinha casos mais antigos de usucapião para julgar, que não foram analisados pela ordem de antiguidade. O mais antigo era de janeiro de 1989 e aguardava sentença.

 

Nesta terça-feira, o relator do caso, conselheiro Guilherme Feliciano, votou pela aplicação da pena de disponibilidade funcional, com vencimentos proporcionais, pelo prazo mínimo de dois anos. O subprocurador da República, José Adonis Callou, destacou a importância do julgamento pelo tema. Ao relembrar a ordem cronológica do julgamento, o subprocurador exclamou:

 

"Vejam a velocidade do julgamento desse processo e a felicidade que esses interessados tiveram, de uma ação de usucapião iniciada em uma quinta-feira e julgada em uma segunda. Ação de usucapião de uma área, que todos nós sabemos, alcançou uma área de muita valorização, explorada pelo agronegócio no oeste baiano, avaliada em mais de R$ 9 milhões”.

 

O subprocurador adiantou que o relatório da Polícia Federal já foi concluído sobre o inquérito que investiga a magistrada no âmbito da Operação Faroeste. O Ministério Público Federal (MPF) ainda não concluiu o parecer do ponto de vista penal. Segundo José Adonis, isso não impede o CNJ de analisar o caso do ponto de vista disciplinar. “Ainda que não haja crimes, não impede que haja infração disciplinar”, pontuou. O representante do MPF no CNJ afirmou ainda que o delator da Faroeste reconheceu que influenciou o então presidente do TJBA na escolha da magistrada Cassinelza para atuar em São Desidério e pediu rapidez no julgamento do usucapião. O delator confessou que fez negócios com a magistrada e que, apesar de não ter pago a juíza, vendeu um carro para o filho dela, porém, não recebeu os valores da venda. “Houve uma negociação, no mínimo, muito estranha, entre o advogado que prestou a delação e a magistrada”, frisou Adonis.

"A prova colhida nestes autos, do ponto de vista disciplinar, mostra uma conduta incompatível com o exercício da magistratura”, disse José Adonis, que pediu a aposentadoria compulsória da desembargadora Cassinelza Lopes.

 

A advogada Samara Leda disse que o objeto do processo administrativo disciplinar, quanto o inquérito contra a desembargadora, que tramita no Superior Tribunal de Justiça, diz respeito a um único fato: suposta celeridade excepcional em uma ação de usucapião. Ela contou que, no início dos anos 2000, os Horita adquiriram cerca de três mil hectares de terra e que, do total, somente 400 hectares não foram registrados. Em junho de 2018, foram ao cartório para tentar regularizar a situação. O processo correu no cartório por mais de um ano, estando lá até julho de 2019. Afirmou que o Estado não comprovou que as terras em questão eram devolutas. Refutou que o processo teria chegado na unidade judicial quatro dias antes da decisão final, tendo sido protocolado no dia 23 de julho de 2019. Disse que, como o último dia de fato de judicância da juíza na unidade foi 6 de setembro, na segunda, quando já havia cessado a designação, assinou todos os atos proferidos que estavam pendentes antes de deixar a unidade.

"Ela decidiu convencida de que tudo que havia sido colhido habilitava a regularização desse imóvel. Não havia litígio, pois o proprietário estava em posse da terra há quase duas décadas, produzindo intensivamente”, explicou a advogada.

No entanto, a advogada reconheceu que houve atuação incorreta da magistrada, como a não apreciação dos processos por ordem cronológica, e por ter assinado somente na segunda. Argumentou que a demora foi por culpa do Processo Judicial Eletrônico (PJE), por dificuldade em operacionalizar o sistema. Contou também que o delegado responsável pela Faroeste disse que não havia crime cometido pela juíza e pediu ao MPF para não indiciar a magistrada.

"Talvez, esse caso, seja o mais desafiador que eu peguei, em mais de 10 anos de atuação nesse Conselho. Seja por conta da pecha da Operação Faroeste, seja por conta das nuances da Operação Faroeste”, comentou a advogada ao finalizar a sustentação oral. Por fim, pediu ao Conselho que separe o “joio do trigo”.

O conselheiro relator do caso confirmou que o delegado havia pedido para o MPF não indiciar a desembargadora, mas salientou que o MPF tem independência para fazer o contrário.

Não há evidências, ao meu ver, de que houve qualquer benefício econômico, e, portanto, corrupção passiva. Mas é fato, e vamos demonstrar isso, é que a celeridade do feito se deveu sim, a influência, desta pessoa, como ele próprio admite [o delator]”, afirmou o relator.

Para ele, a juíza agiu sim para favorecer uma das partes, “ainda que sem benefício econômico”.

 

BAIXA PRODUTIVIDADE

O relator afirma que, na ocasião do julgamento na Vara Plena de São Desidério, o contexto do acervo processual era outro. Quando foi designada, em 3 de julho de 2019, para atuar na vara, a desembargadora encontrou 305 processos conclusos e deixou 312 feitos conclusos no final da designação. Ela proferiu 37 atos de movimentação processual. De todas as ações de usucapião da unidade, julgou somente a causa dos Horita. Havia processos com preferência de julgamento que não foram analisados. O processo de usucapião não detém preferência por lei. Havia três processos com preferência da infância e juventude, e dois processos de pensão alimentícia, que não foram julgados. Servidores da unidade judicial relataram ao conselheiro Guilherme Feliciano que a celeridade do caso não era comum em outros casos.

 

Claudia Cardozo - Bn@ws

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