08/03/2022 às 19h10min - Atualizada em 08/03/2022 às 19h10min
Tratamento na água gera substâncias cancerígenas em 493 cidades no Brasil


Você pode nunca ter ouvido falar, mas provavelmente já bebeu substâncias químicas geradas a partir do tratamento da água, os chamados subprodutos da desinfecção. Eles são seguros desde que mantidos abaixo de uma concentração determinada pelo Ministério da Saúde. Levantamento inédito feito pela Repórter Brasil revela que 493 municípios, ou seja, 1 em cada 5 que fizeram testes encontraram esses produtos acima do limite de segurança pelo menos uma vez entre 2018 e 2020. 

Diferente dos sintomas imediatos e já conhecidos após o consumo de água contaminada por coliformes fecais, a presença contínua desses produtos aumenta o risco de doenças crônicas que podem ter consequências silenciosas a longo prazo, como problema no fígado, rins e sistema nervoso, além de aumentar o risco de câncer.

 

São Paulo, Florianópolis e Guarulhos estão entre as 75 cidades com o alerta máximo: locais onde a água apresentou esse problema de modo recorrente nos três anos analisados. Os maiores riscos à saúde estão justamente no consumo contínuo dessas substâncias acima do limite.

As informações foram obtidas do Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano), do Ministério da Saúde, que reúne os resultados de testes feitos pelas empresas e instituições responsáveis pelo abastecimento de todo o país. Os dados foram interpretados pela Repórter Brasil, com a ajuda de técnicos especialistas, e podem ser consultados por cidade na página do especial Mapa da Água.

Os subprodutos surgem da reação de substâncias que podem estar na água, como algas e esgoto, com o cloro ou outro desinfectante. Entretanto, o processo de tratamento é essencial, pois impede a propagação de doenças que podem ser fatais, como cólera, giardíase, disenteria e febre tifóide.

“O risco é realmente quando o monitoramento mostra que, durante anos, a água está com o valor elevado desses produtos, porque tem um efeito cumulativo que pode trazer consequências a longo prazo”, afirma Valter Pádua, professor do departamento de engenharia sanitária e ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Dos cinco subprodutos monitorados no Brasil, trihalometanos e ácidos haloacéticos são os que mais aparecem acima do limite. Esses grupos são classificados como “possivelmente cancerígenos” pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), órgão da Organização Mundial da Saúde (OMS).

“É uma encruzilhada. A gente não pode deixar de usar cloro, porque o risco de ter um surto de tifo ou cólera é muito sério. Por outro lado, você não pode usar cloro demais, não pode ter essa produção de produtos secundários [outro termo para os subprodutos da desinfecção] em alta concentração, pois isso também pode gerar um risco das pessoas desenvolverem câncer”, pontua Paulo Barrocas, professor e pesquisador do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Fiocruz.

O Ministério da Saúde determina limites considerados seguros para cada um dos subprodutos monitorados na água, a fim de evitar o aparecimento de doenças na população. As instituições responsáveis pelo abastecimento (empresas, órgãos públicos ou outros grupos) devem realizar os testes para verificar a presença dessas substâncias e a sua concentração na água de 2 a 4 vezes por ano.

A norma brasileira determina que, em caso de testes acima do limite permitido, a população deve ser avisada, de forma transparente e clara, sobre os riscos que estão correndo e sobre as medidas que serão adotadas pelos responsáveis para solucionar o problema. Em nenhum dos municípios apurados pela reportagem isso aconteceu: São Paulo, Guarulhos e Florianópolis.

Subprodutos na maior cidade do país

Entre 2018 e 2020, 185 testes realizados pela Sabesp no município de São Paulo apontaram a presença de subprodutos, sendo que 6% estavam acima do valor máximo permitido para trihalometanos, substância que mais excedeu o limite no país. Além dos sistemas de abastecimento da companhia, foram encontradas substâncias acima do limite até mesmo na saída do tratamento de poços profundos, usados como alternativas.

Um teste acima do valor máximo permitido significa que a população utilizou aquela água por dias ou até meses para beber, tomar banho e até cozinhar. O contato com os subprodutos não acontece somente quando verificam a qualidade da água, mas sim de forma constante.

A Sabesp –  empresa responsável pela distribuição de água, coleta e tratamento dos esgotos em mais de 370 municípios paulistas, incluindo a capital – negou que tiveram resultados acima do limite. Já a Secretaria de Saúde de São Paulo, responsável pela fiscalização, minimizou os casos e afirmou que “alguns foram encontrados ligeiramente acima do valor máximo permitido”. Confira as respostas na íntegra da Secretaria e da Sabesp.

 

 

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