15/12/2021 às 08h05min - Atualizada em 15/12/2021 às 08h05min
Sociedade reage às falas machistas de delegado que investiga mortes de duas mulheres em Guanambi


O delegado responsável por investigar o caso de duplo homicídio em Guanambi foi alvo de críticas nas redes sociais após comentários considerados machistas e atribuição da culpa às mulheres por serem vitimas de tentativa de estupro ou estupro. As afirmações foram feitas durante entrevista coletiva, na tarde desta terça-feira (14), na Delegacia de Guanambi.

Entre as justificativas para possível linha de investigação, o delegado Rhudson Barcelos afirmou que era, “entre aspas, plausível, um feminicidio diante de uma briga entre marido e mulher”. Questionado por qual recado deixaria para as mulheres para evitar que sejam vitimas, ele orientou que elas evitassem sair sozinhas ou em grupos de mulheres para prática de ciclismo nas rodovias, esporte muito comum na localidade.

Barcelos falou ainda detalhes da vida conjugal de uma das vítimas e citou que o acusado ficava próximo à academias “para ver as mulheres exuberantes e com roupas provocantes”. Durante toda coletiva, ninguém questionou sobre os comentários do delegado.

A sociedade guanambiense já estava sensibilizada pelo crime de duplo homicídio que ceifou a vida de mãe e filha e aguardava ansiosamente pelo posicionamento do delegado, que só se manifestou publicamente, e com riqueza de detalhes, após 24h da prisão do réu confesso.

“Show de horrores essa coletiva com o delegado da polícia civil sobre o assassinato de mãe e filha em Guanambi. O delegado evidência o despreparo da polícia guanambiense em lidar com crimes, de qualquer natureza, contra as mulheres”, afirmou a cantora Camila Ávila, cujo comentário viralizou nas redes sociais.

Ela também criticou a forma como o delegado está conduzindo as investigações. “Sem contar o fato de que segundo o mesmo delegado, a investigação está praticamente encerrada, sem fazer reconstituição do crime, sem teste toxicológico do acusado, sem perícia no celular do suspeito”, finalizou.

Desprezível as falas machistas do delegado, eu como homem me sinto envergonhado”, afirmou um professor durante uma das transmissões. Outra mulher disse – “inclusive aconteceu em minha família e esse cara disse q estava com roupas provocantes (sic)”.

Em protesto, tanto pela fala do delegado, quanto por justiça pelo caso, mulheres estão levantando a hashtags #vamosasruas e programando uma caminhada na cidade. No entanto, até o momento, nada foi alinhado.

Ainda na noite desta terça-feira (14), alguns moradores foram para frente da delegacia e realizaram protesto gritando “fora Rhudson” e pedindo justiça. Até o momento, o delegado não se retratou ou posicionou sobre as criticas.

Diante da falta de sensibilidade do delegado, responsável muitas vezes por investigações de violência doméstica, voltou à tona o tema da necessidade de uma Delegacia da Mulher em Guanambi, e da construção de uma  rede de proteção mais ampla, acessível e acolhedora para as mulheres vitimas de violência.

Delegado desprezou participação da Polícia Militar no caso 

As falas também causaram indignação na Polícia Militar, uma vez que o delegado minimizou a participação da corporação no desdobramento do caso. Rhudson Barcelos afirmou durante a coletiva que todo o mérito da elucidação foi da Polícia Civil e suas falas foram classificadas como arrogantes por policiais militares.

Ao falar sobre uma diligência em um sítio onde o autor poderia ter se escondido, o delegado achou que seu efetivo estava pequeno para a tarefa e solicitou apoio à PM. “Solicitei que Polícia Militar nos auxiliasse nas diligências, mas toda ela presidida e acompanhada de perto por mim. Em todos os momentos eu estava presente, e quando a autoridade policial está presente, é ela que determina o que é feito e o que não é feito. Os demais colegas simplesmente deviam obedecer o comando policial, o que aconteceu”, a firmou o delegado.

Sobre o resultado da operação, ocorrida ainda na noite de domingo, o delegado afirmou que no local só havia um rapaz, “mais bêbado do que um pudim de cana”.

Na sequencia da entrevista, Rhudson Barcelos foi mais enfático ainda ao descartar a participação da Polícia Militar nas investigações que levaram à prisão. “Nós, que eu quero dizer, eu, o investigador Armando, o investigador Cássio, e na sequência o investigador Luís Florêncio e o investigador Nelson Júnior. E sempre, a Polícia Militar, com viatura descaracterizada, que eles chamam de P2, nos dando apoio logístico. A investigação toda feita por nós. Até aí não teve nenhuma participação da Polícia Militar no processo investigativo como foi relatado hoje pelo comandante local. É aquela velha história né, uma faz força e outro quer ficar vermelho no lugar”, disse ao se referir a uma nota divulgada pelo 17º Batalhão de Polícia Militar (17º BPM) sobre a prisão do acusado.

Ele ainda justificou a sua posição. “Nós sabemos que, constitucionalmente falando, as funções são distintas entre as policias. E que o papel da Polícia Militar é meramente preventivo e ostensivo, ou seja, trabalho de rua, não é trabalho investigativo em momento algum. Esse é o papel da polícia judiciária, que é a Polícia Civil, que faz as investigações, e que o delegado de polícia preside todo o processo investigativo até o relatório final que é enviado ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, para adoção de medidas cabíveis”, concluiu.

Durante entrevista à Rádio Cultura no fim da tarde, o comandante 17º da Batalhão da Policia Militar de Guanambi, Ten. Cel. Arthur Mascarenhas, ressaltou que houve participação de policiais militares durante todo o desdobramento do caso e detalhou toda prisão. Ele fez duras críticas às posições do delegado, tanto em relação à Polícia Militar, quanto às falas consideradas machistas.

“Não queremos aqui, angariar louros para a Polícia Militar. A gente tem um respeito imenso, pelas vítimas, pela família delas… É necessário ressaltar o trabalho em conjunto da Polícia Civil. Eu jamais iria desmerecer a Polícia Civil, eu tenho grandes amigos lá, tem grandes policiais que trabalham com seriedade, sem menosprezar, sem querer ser estrela, e que merecem todo nosso respeito, a partir do coordenador, Dr. Clécio e dos investigadores”, comentou.

“O luto que a sociedade está vivendo a gente tá também. Não estamos satisfeitos,  e desmerecer as vítimas, desvalorizar, querer culpabilizar a vítima, por vestes? Isto é uma absurdo, isto é abjeto, isto é nojento. Isto não pode partir de quem quer que seja, muito menos de uma autoridade. Nunca! Da vontade de vomitar ouvindo uma situação dessa. Eu tenho o absoluto respeito pelas vítimas, pelas mulheres. Eu tenho uma filha que tem três anos a menos que uma das vítimas”, disse o comandante.

Mascarenhas afirmou que a sociedade é extremamente machista e falas como as do delegado são como se fosse uma chancela para abusadores. “As mulheres têm que se revoltar, as mulheres não podem se calar, de tamanha crueldade que elas foram vítimas”, comentou.

Mascarenhas declarou que se solidarizava com a família das vitimas e com todas as mulheres. “As mulheres têm que continuar a vida normal, vestir a roupa que eles quiserem”, afirmou Mascarenhas.

O comandante ressaltou ainda que muitos crimes foram elucidados na cidade por trabalho de inteligência da PM, resultando na redução de muitos tipos de crime nos últimos anos.

No fim da entrevista o comandante pediu respeito reciproco da Polícia Civil e reiterou o compromisso da Polícia Militar com a sociedade.

 

Joana Martins - AGÊNCIA sertão

 
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