24/07/2022 às 08h26min - Atualizada em 24/07/2022 às 08h26min
Lobo em pele de doutor: o relato de assédio sexual em um hospital de Salvador


reze dias após o país entrar em choque com as imagens que mostram cenas de estupro praticado por um anestesista contra a própria paciente em pleno trabalho de parto, a Bahia é palco de outro episódio de violência sexual no qual o médico é suspeito de assediar a mulher a quem deveria cuidar, cujo cenário é um consultório do Hospital São Rafael, unidade integrada à Rede D’or. 

Em denúncia feita à Polícia Civil, uma jovem acusa o urologista que a atendeu de tocá-la nas partes íntimas durante a consulta. De acordo com o boletim de ocorrência registrado pela vítima, ela havia buscado o médico para tratamento de uma endometriose que afeta o funcionamento do intestino e da bexiga. Foi a partir daí que o lobo escondido sob a pele de doutor  teria se manifestado.

De acordo com a denúncia,  o assédio começou após o urologista dizer em plena consulta: “É, minha florzinha, você sentia dores, mas agora não sente mais”.  Em seguida, ainda segundo a vítima, o médico agiu de forma mais acintosa. “E aí ele veio para me dar um beijo na testa, me deu um beijo na testa. Depois, veio para me dar um beijo na boca. Foi quando eu tomei aquele susto, virei o rosto e ele pegou na ponta do meu nariz”, afirmou. 

Troca de mensagens
A paciente confrontou o médico sobre o assédio sexual ao apontar, em troca de mensagem divulgada à imprensa, o constrangimento sofrido por ela durante a consulta. No diálogo, ela condena a postura do urologista, contrária ao código de conduta que rege a profissão. “Eu não voltaria ao consultório hoje. Saber que o senhor deseja sair comigo e tendo me tocado na maca me fez sentir completamente assediada, foi muita falta de ética”, escreveu. 

 

Em resposta, o urologista pede perdão, diz estar triste e apela para não ser prejudicado. Nas mensagens enviadas um dia depois, o médico afirma que não dormiu de preocupação. Antes, havia lido o seguinte desabafo: “Passei a noite lembrando daquela consulta. Diante de um quadro de cistite (inflamação na bexiga), qual a necessidade de ter apalpado meus seios? De ter tocado meu clitóris e introduzir o dedo na vagina?”. 

Afastamento
Nesta sexta-feira (22), quando o assunto foi exposto pela imprensa, o médico foi afastado da unidade hospitalar, uma das mais tradicionais de Salvador. Em nota, a Rede D’or informou que se tratava de uma denúncia grave e que estava à disposição para ajudar nas investigações. “O Hospital São Rafael, em razão da gravidade da denúncia, imediatamente suspendeu os atendimentos e procedimentos do médico em questão e encaminhou o caso para apuração pela Comissão de Ética Médica da instituição”, disse o comunicado. 

“O Hospital não compactua e repudia veementemente as práticas veiculadas, assim como se solidariza com a paciente pelo ocorrido”, conclui a nota . Segundo a Polícia Civil, o profissional já prestou depoimento na 7ª Delegacia (Rio Vermelho), responsável por investigar o caso. O Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) orientou que a vítima registrasse denúncia na entidade para eventual punição do urologista acusado de assédio sexual. Nem a paciente e nem o médico tiveram os nomes revelados.

 

Cremeb investiga 14 casos no estado

Entre 2018 e 2022, o Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) instaurou 14 sindicâncias para apurar denúncias de assédio sexual contra médicos no estado. Em meio à exposição de relatos como o que envolve a paciente do São Rafael, muitas mulheres recusam consultas com profissionais homens, por receio de serem assediadas.

O exame admissional realizado por um médico foi suficiente para que Maria Gabriela Vidal, de 22 anos, nunca mais quisesse ser atendida por homens. Na ocasião, ela precisou se trocar em local próximo à sala onde o profissional também estava. 

 

“Aparentemente, pode soar besteira, mas para nós mulheres, que vivemos em constante alerta, foi suficiente para eu não querer passar novamente pela situação”, disse Maria. 

Mariane Andrade, de 21 anos, também evita consultas com homens. “Sempre dou preferência a médicas, principalmente quando envolve exames em partes intimas”, relata, ao atribuir o temor aos inúmeros relatos que ouve de pessoas próximas ou expostos na imprensa.  

A presidente da Comissão da Mulher na  OAB da Bahia, Daniela Portugal, explica que a sensação de insegurança não é a toa. “Práticas de assédio sexual são muito comuns. Tudo porque a sociedade promove a hipersexualização e coisificação do corpo da mulher, cultura que precisa ser combatida dentro e fora de cada instituição, pública ou privada”, afirma a advogada.

 

Casos de assédio com grande repercussão

Roger Abdelmassih - Um dos mais renomados especialistas em reprodução humana do Brasil e conhecido pela lista de pacientes da alta classe paulista, o então médico se tornou personagem do maior escândalo da Medicina no país, em 2009, quando a imprensa revelou denúncias de pacientes abusadas sexualmente por ele. Ele foi preso e posteriormente condenado a 173 anos de prisão por estupros em série cometidos contra pelo menos 50 pacientes desde a década de 1990. De acordo com as investigações, ele atacava as pacientes enquanto elas estavam sob efeito de sedativos usados durante o processo de fertilização. Em alguns casos, as vítimas foram inseminadas pelo próprio esperma do médico. Ao longo dos anos, diversas outras vítimas apresentaram novas denúncias contra ele, apontado como estuprador em série. Abdelmassih teve o registro cassado em 20 de maio de 2011.  

Clóvis Bersot Munhoz - Presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), Cloóvis Munhoz é acusado de assediar sexualmente uma técnica de  enfermagem. O fato teria acontecido na sala de cirurgia de um hospital privado da Zona Sul do Rio, em julho do ano passado. Na última quinta-feira (21), um ano após a denúncia, Clóvis foi afastado do cargo e indiciado pela Polícia Civil.

Giovanni Quintella Bezerra - Anestesista que atuava na Baixada Fluminense, o médico foi flagrado por câmaras quando estuprava uma paciente durante a cirurgia de parto cesáreo dela e foi preso. A polícia do Rio investiga mais de 40 casos semelhantes atribuídos a ele.

*Com a orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo

 

Emilly Tifanny Oliveira* e Jairo Costa Júnior - Correio 24 Horas

NOTÍCIAS RELACIONADA
Polícia investiga o caso da mulher que levou cadáver do tio ao...
17º BPM prende idoso acusado de agredir policial militar em...
Apresentadora é assaltada na esquina de casa e fica ensanguentada: “Quase arrancaram minhas...
Homem suspeito de furtar loja é preso em...
GALERIAS
CLASSIFICADOS